PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E A LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO

Até que ponto podemos ir para garantir a autonomia das pessoas com deficiência?
Esta é a principal pergunta que devemos nos fazer, principalmente após a convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência da ONU de 2007 (Decreto Federal n° 6.949/09).

Ao determinar o direito à igualdade das Pessoas com deficiência (PCD), os países participantes da Convenção reafirmam, também, que as PCD devem ser vistas como iguais e, portanto, terem os mesmos direitos que busquem integrá-las ainda mais com a sociedade.

O artigo 12 desta Convenção vai além, dizendo que devemos respeitar as vontades e preferências destes indivíduos e, caso as mesmas não sejam observadas, devemos buscar a autoridade ou órgão jurídico competente, independente e imparcial. As proteções serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa.

Percebe-se nitidamente que o objetivo da convenção é garantir igualdade de condições, mas entendendo que cada pessoa tem suas habilidades e possibilidades, e é certo que nem todas as pessoas com deficiência possuem autonomia e independência em seu dia-a-dia.
E como definir essa capacidade? Os Juristas (juízes, advogados, promotores…) entendem estas capacidades sob 3 formas: capacidade plena (possibilidade plena de exercer pessoalmente os atos da vida civil – ex.: comprar, vender, casar-se, divorciar-se, etc.), incapacidade relativa (situação legal de impossibilidade parcial de realização pessoal dos atos da vida civil, exigindo alguém que o auxilie/assista) e incapacidade absoluta (situação em que, por lei, a pessoa não pode realizar direta e pessoalmente os atos da vida civil, senão por representante legal).
Dessa forma, capacidade é a possibilidade de uma pessoa exercer diretamente os atos da vida civil, ou seja, de adquirir direitos e contrair deveres em nome próprio. Nos casos de incapacidade relativa ou absoluta, a pessoa deveria ser interditada, sendo nomeado um responsável legal (curador), pelo Poder Judiciário, para assessorá-la em seu cotidiano.
O artigo 6º da Lei Brasileira de Inclusão (Lei Federal nº 13.146/2015) informa que a deficiência não atinge a plena capacidade civil da pessoa. Já o artigo 84 da Lei Brasileira de Inclusão, assim como artigo 12 da Convenção, determinam que a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

E aqui se dá o principal ponto da discussão: no último artigo citado, bem como nos artigos seguintes (artigos 85 e 86), estão as orientações necessárias para a aplicação da Curatela /Interdição, ainda que a própria Lei Brasileira da Inclusão tenha modificado de forma brutal o rol de incapacidades estabelecido pelo Código Civil, em seus artigos 3º e 4º.

O grande desafio da Convenção é exatamente o rompimento com a visão tradicional, que estigmatizava as PcD. Ao contrário: a LBI cria práticas de efetiva inclusão da pessoa, semeando na sociedade a capacidade de conviver com a diversidade sem se sentir ameaçada por ela.

Quando a Convenção afirma que a deficiência é um conceito em evolução, condicionado pela interação com os fatores ambientais, ela coloca em xeque a sociedade e todos os profissionais que lidam com as PcD e seus familiares, que, a partir desse novo marco legal, devem rever os seus conceitos de funcionalidade, incapacidade e saúde.

Portanto, os direitos das pessoas com deficiência devem ser protegidos, mas tal alteração, embora muito bem intencionada, pode ter impacto desastroso sobre a segurança jurídica. A Curatela e a Interdição sempre existiram para proteção, e não para punição do sujeito, e não será sua eliminação que garantirá a capacidade plena das pessoas com deficiência.
Tais alterações geram insegurança e, eventualmente, causam prejuízo às pessoas com deficiência, tendo em vista que o afastamento das mesmas do regime das incapacidades, na forma das alterações trazidas pela Lei Brasileira de Inclusão, sem considerar as peculiaridades de cada realidade, não é uma garantia de proteção às pessoas com deficiência. Ou seja, atualmente, o Código Civil, com as transformações da LBI, não protege as pessoas com deficiência que não tenham capacidade suficiente para a prática dos atos da vida civil.

*Texto escrito e cedido por: Caio Souza – Membro da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB/RJ. Professor na Faculdade São José. Mestrando em Direito Público e Evolução Social pela Universidade Estácio de Sá

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